Antes de negar, é prudente estudar e observar. Para julgar uma coisa é preciso conhecê-la. A crítica só é permissível ao que fala do que sabe. Que seria dito de um homem que, ignorando música, criticasse uma ópera? Ignorando as primeiras noções de literatura, criticasse uma obra literária?
"Inicialmente, devo agradecer aos Espíritos protetores da pequena sociedade nascente, por me haverem designado para sua presidência. Tratarei de justificar a escolha, que me honra, velando escrupulosamente para que os trabalhos de nossas reuniões tenham sempre um caráter sério e moral, objetivo que jamais devemos perder de vista, sob pena de nos expormos a muitas decepções.
"Que vimos buscar aqui, senhores, longe do bulício dos negócios mundanos? A ciência de nossos destinos. Todos quantos estamos neste modesto recinto, que crescerá, elevar-se-á, assim se espera - pela grandeza e altura do objetivo que perseguimos, cedemos ao desejo muito natural de rasgar o véu espesso que oculta aos pobres humanos o temível mistério da morte, e saber se é verdade, como ensina a falsa ciência, e como crêem tantos infelizes Espíritos tresmalhados, que o túmulo fecha o livro dos destinos do homem.
"Bem sei que Deus colocou no coração de cada um, um facho destinado a clarear seus passos pelos rudes caminhos da vida: a razão; e uma balança para pesar todas as coisas em seu exato valor: a justiça. Mas quando a viva e pura luz desse facho diretor se enfraquece mais e mais, ao sopro impuro das paixões pervertidas, está a ponto de extinguir-se; quando essa balança da justiça é viciada pelo erro, pela mentira; quando o cancro do materialismo, após invadir tudo, até as religiões, ameaça tudo devorar, é necessário que o Supremo Juiz venha enfim, por prodígios de sua onipotência, por manifestações insólitas, capazes de chamar a atenção violentamente, retificar os caminhos da humanidade e retirá-la do abismo.
"Ao ponto de degradação moral em que caíram as sociedades modernas, sob a Influência de falsas e perniciosas doutrinas toleradas, senão encorajadas, por aqueles mesmo que têm a missão especial de as reprimir; no meio desse indiferentismo geral por tudo quanto não é matéria, desse sensualismo extremo, exclusivo, desse furor, até agora desconhecido, de enriquecimento a qualquer preço, desse culto desenfreado do bezerro de ouro, dessa desordenada paixão de lucro que engendra o egoísmo, gela todos os corações, falseando todas as inteligências, e tende à dissolução dos laços sociais, as comunicações de além-túmulo podem ser consideradas como uma revelação divina tornada necessária para uma chamada à ordem, por parte da Providência, que não pode deixar perecer sem socorro sua criatura predileta. E, com a rapidez com que se expandem em todos os pontos do globo os ensinamentos da doutrina espírita, fácil é prever que a hora se aproxima em que a humanidade, depois de um compasso de espera, vai transpor nova etapa, passar a uma nova fase de desenvolvimento na sua progressão intermitente através dos séculos.
"Quanto a nós, senhores, agradecemos à Providência por nos haver escolhido para espalhar e fazer frutificar neste recanto da terra a semente espírita, e assim cooperar, na medida de nossas forças, na grande obra da regeneração moral que se prepara.
"Eu me ocupo, neste momento, a propósito de uma questão médica, que alguns de entre vós sabem - de um trabalho filosófico importante, no qual tento explicar, racionalmente, os fenômenos fisiológicos do Espiritismo e os ligar à filosofia geral. Antes de publicar esse trabalho, essencialmente anti-materialista, que ainda não passa de um esboço, proponho-me vo-lo comunicar, a fim de tomar vosso conselho, quanto à oportunidade de submeter à aprovação dos Espíritos elevados, que tiverem a bondade de nos assistir, os principais pontos de doutrina que ele encerra. Aliás, ali poderíamos encontrar, e disposta metodicamente, a maioria das questões que devem constituir o tema de nossas conversas Espíritas.
"Jamais devemos perder de vista, senhores, o fim essencial do Espiritismo, que é a destruição do materialismo pela prova experimental da sobrevivência da alma humana. Se os mortos respondem ao nosso chamado, se se põem em comunicação conosco, é que não estão inteiramente mortos; é que o último estertor da agonia não lhes marcou o termo definitivo da existência. Todos os sermões do mundo não valem, a tal respeito, um argumento como este. Eis por que é dever nosso, de crentes, espalhar a luz em volta de nós e não a encerrar sob o alqueire, isto é, neste pequeno recinto que, ao contrário, por nosso zelo deve tornar-se um foco de irradiação. Isto quer dizer que devamos convidar todo mundo às nossas reuniões, acolher o primeiro que manifeste curiosidade de nos ver à obra, como se se tratasse de ver um prestidigitador? Seria irrefletidamente expor às chances do ridículo a coisa mais séria do mundo, e a nós mesmos nos comprometermos. Mas sempre que uma pessoa, de cuja boa fé não temos motivo de suspeita, tiver adquirido noções do Espiritismo na leitura de suas obras especiais e deseje presenciar os fatos, devemos satisfazer-lhe o pedido. Apenas será bom regular essas admissões e não admitir em nossas sessões pessoas estranhas, sem que a sociedade, consultada, tenha dado a esse respeito sua opinião prévia.
"Senhores, quando há dois anos apenas constatávamos, com um dos nossos societários, na casa de um amigo comum, os fenômenos espíritas de ordem mecânica e intelectual mais admiráveis, à despeito da evidência dos fatos que testemunhávamos, a despeito de nossa convicção profunda que essas manifestações extraordinárias se passavam fora das leis naturais conhecidas, apenas ousáramos expor timidamente os nossos conhecimentos íntimos, tanto era o receio de que pusessem em dúvida a integridade da nossa razão. O Livro dos Espíritos, então pouco conhecido em Tours, ainda estava na primeira ou na segunda edição. Naquela época, numa palavra, quase não havia transposto os limites da capital. Ora, vede que imenso progresso já fez em três anos! Hoje o Espiritismo penetrou em toda a parte, tem adeptos em todas as camadas sociais; reuniões e grupos mais ou menos numerosos organizam-se em todas as cidades, grandes e pequenas, esperando a vez das aldeias. Hoje as obras espíritas estão expostas em todos os livreiros, que têm dificuldade em atender à demanda da clientela, ávida de iniciar-se nos grandes mistérios das evocações. Hoje, enfim vulgarizado, o Espiritismo, de todos conhecido de alguma forma, não é mais um espantalho, um sinal de reprovação e de desdém, e podemos ousadamente, sem receios de passar por loucos, confessar o fim de nossas reuniões. Podemos desafiar a troça e o sarcasmo e dizer aos brincalhões: "Antes de nos pôr em ridículo, queirais ao menos nos contar, senão nos pesar.
"Quanto ao anátema de um partido, avaliamos bem o seu pequeno alcance para nos inquietarmos. Dizem que fizemos pacto com o diabo. Seja. Mas, então, há de convir que nem todos os diabos são maus. Aos seus olhos, o nosso verdadeiro crime é a nossa pretensão, certamente muito legítima, de nos comunicarmos com Deus e seus santos, sem nos obrigarmos a sua intermediação. Provemos-lhes que, graças aos ensinamentos dos que eles chamam demônios, nós compreendemos a moral sublime do Evangelho, que se resume no amor de Deus e dos nossos semelhantes, na caridade universal. Abraçamos a humanidade inteira, sem distinção de culto, de raça, de origem, e, com mais forte razão, de família, de fortuna e de condição social. Que saibam que o Deus dos Espíritas não é um tirano cruel e vingativo, que pune um instante de desvio com torturas eternas, mas um Pai bom e misericordioso que vela por seus filhos desviados, com uma solicitude incessante e procura atraí-los a si por uma série de provas destinadas a lavá-los de todas as manchas. Não está escrito que Deus não quer a morte do pecador, mas a sua conversão?
"Além disso, nós nos reservamos expressamente, aqui como em qualquer parte, os direitos imprescritíveis da razão, que deve tudo dominar, tudo julgar em última instância. Não dizemos aos recalcitrantes, conduzindo-os ao pé da fogueira: "Crê ou morre", mas, crê, se tua razão o quer.
"Ainda uma palavra para terminar, senhores, pois não quero abusar de vossa atenção. A instituição de nossa sociedade, não tendo, nem podendo ter outro fim senão a nossa instrução e o nosso melhoramento moral, devemos afastar de nossas reuniões, com o maior cuidado, toda questão ligada direta ou indiretamente seja a pessoas, seja à política, seja aos interesses materiais. Estudo do homem em relação ao seu destino futuro, tal o nosso programa, do qual jamais nos devemos separar.
CHAUVET, doutor em medicina.
Este discurso é seguido da comunicação abaixo, espontânea, recebida por um médium da sociedade:
"Meus amigos, o fim de vossa sociedade é de vos instruirdes e trazer o homem tresmalhado à luz, que há tanto tempo é obscurecida pela treva que reina neste século. Não deveis olhar esta Instituição como vindo vos instruir sobre questões de direito ou de ciência: ela vem simplesmente vos dispor a entrar na nova via da regeneração, que deveis percorrer sem medo, pondo vossa confiança nas instruções que recebeis. Nada deveis temer, porque Deus vela pelo homem que faz o bem e não o abandona.
"Eu vos ouvi discutir a propósito de um artigo do regulamento de admissão de pessoas estranhas em vossa sociedade. Escutai um pouco os conselhos de um amigo, ou antes, do irmão que vos fala, não de boca, mas do coração, não materialmente, mas espiritualmente. Porque, crede-o, quando para vir a vós transpus todos os degraus de Espíritos impuros, o espaço a percorrer não me pareceu penoso, pois via vosso coração animado de sentimentos do bem.
"Quando um estranho pedir para assistir às vossas sessões, antes de admiti-lo fazei-o vir em particular ao vosso gabinete e, na conversa, sondai os seus sentimentos e vedes se está instruído na nova doutrina. Se nele descobrirdes o desejo do bem e não simples curiosidade; se vem animado de intenções sérias, então podeis admiti-lo sem receio. Mas repeli quem quer que venha com o pensamento de perturbar a sessão e desprezar os vossos ensinos. Pensai também que os espiões se insinuam por toda a parte: Jesus os teve.
"Se alguém se apresenta dizendo-se Espírita ou médium, não o recebais sem saber com quem estais lidando. Não ignorais que há médiuns cheios de frivolidades e de orgulho e que, por isso mesmo, só atraem Espíritos levianos. Diz-se sempre: o semelhante atrai o semelhante. Um verdadeiro Espírita não deve ter outro sentimento senão o do bem e da caridade, sem o que não pode ser assistido por Espíritos sábios.
"Sem dúvida a perda de um médium pode deixar um vazio entre vós, mas, por isso, não se deve crer que não tereis mais instruções nossas: estaremos sempre prontos a vir assistir-vos nos trabalhos, assim Deus o permita. Se um bom médium vos é tirado, é que certamente Deus o destina a outra missão, que julga mais útil. Quem sabe o que o espera? Há coisas que o homem não pode compreender, mas que deve aceitar.
"O caminho que ides percorrer, meus amigos, é difícil de subir; mas, com a ajuda dos vossos irmãos, que estão acima de vós, conseguireis.
"Numa outra oportunidade, eu espero, nós vos instruiremos sobre questões mais graves."
Assinado: Fénelon
(Publicado na Revista Espírita de fevereiro de 1863)