A ti dirigi o meu olhar, ó Eterno, e me senti fortalecido. És a minha força, não me abandones. Ó meu Deus, sinto-me esmagado sob o peso das minhas iniquidades. Ajuda-me. Conheces a fraqueza da minha carne, não desvies de mim o teu olhar!
Théophile Gautier, escritor, poeta, jornalista e crítico literário francês.
Pierre Jules Théophile Gautier (Tarbes, 31 de agosto de 1811 – Paris, 23 de outubro de 1872) foi um escritor, poeta, jornalista e crítico literário francês.
Ainda jovem, mudou-se para Paris. Seu desejo inicial era dedicar-se à pintura mas, influenciado por Vitor Hugo, passou a interessar-se pela literatura (especialmente a poesia romântica). Vestindo sempre um colete vermelho e calças verdes, tornou-se personagem conhecida antes mesmo de alcançar a fama como escritor.
Em 1830 publicou suas primeiras "Poesias", nas quais demonstra habilidade na descrição precisa e colorida de objetos e paisagens.
No prefácio de Mademoiselle de Maupin, de 1835, Gautier afirma sua posição estética, seu culto da arte pela arte, seu desdém pela moral, sustentando a tese de que a arte e a moral nada têm em comum.
Aos poucos, afasta-se de seus amigos românticos. Nessa época, por necessidades econômicas, teve de sujeitar-se ao trabalho de crítico dramático, literário e artístico do La Presse e depois do Monitor.
REVISTA ESPÍRITA, JANEIRO DE 1866
CORRESPONDÊNCIA
CARTA DO SR. JAUBERT
“Rogo-vos, meu caro Sr. Kardec, inserir a carta seguinte no mais próximo número da vossa Revista. Cedo, sou pouca coisa, mas, enfim, tenho a minha apreciação e a imponho à vossa modéstia. Por outro lado, quando se trava a batalha, quero provar que estou sempre sob a bandeira, com minhas dragonas de lã.”
JAUBERT.
Sem a obrigação que nos é imposta, em termos tão preciosos, compreender-se-ão os motivos que nos teriam impedido de publicar esta carta. Nós nos teríamos contentado em conservá-la como honroso e precioso documento e juntá-la às numerosas causas de satisfação moral que nos vêm sustentar e encorajar em nosso rude labor, e compensar as tribulações inseparáveis de nossa tarefa. Mas, por outro lado, de parte a questão pessoal, neste tempo de desencadeamento contra o Espiritismo, os exemplos de coragem de opinião são tanto mais influentes quando partem do mais alto. É útil que a voz dos homens de coração, daqueles que, por seu caráter, suas luzes e sua posição impõem o respeito e a confiança, se faça ouvir; e se ela não puder dominar o clamor, tais protestos não ficarão perdidos no presente, nem no futuro.
Carcassone, 12 de dezembro de 1865.
“Senhor e caro mestre,
“Não quero deixar morrer o ano de 1865, sem lhe dar graça por todo o bem que ele fez ao Espiritismo. Nós lhe devemos a Pluralidade das existências da alma, por André Pezzani; a Pluralidade dos mundos habitados, por Camille Flammarion: dois gêmeos que apenas nascem e marcham em passos tão grandes no mundo filosófico.
“Nós lhe devemos um livro, pequeno em páginas, grande nos pensamentos; a simplicidade nervosa de seu estilo o disputa à severidade de sua lógica. Contém em germe a teologia do futuro; tem a calma da força e a força da verdade. Eu queria que o volume sob o título de Céu e Inferno fosse editado aos milhões de exemplares. Perdoai-me este elogio: eu vivi muito para ser entusiasta e aborreço a adulação.
“O ano de 1865 nos dá Espírita, novela fantástica. A literatura se decide a fazer uma invasão em nosso domínio. O autor não tirou do Espiritismo todos os ensinamentos que este encerra. Põe em destaque a ideia capital, essencial: a demonstração da alma imortal pelos fenômenos. Os quadros do pintor me pareceram deslumbrantes. Não posso resistir ao prazer de uma citação.
“Espírita, a amante ignorada, na Terra, por Guy de Malivert, acaba de morrer. Ela mesma descreve suas primeiras sensações.
“O instinto da natureza ainda lutava contra a destruição, logo, porém, cessou essa luta inútil; e, num fraco suspiro, minha alma exalou-se de meus lábios.
“Palavras humanas não podem descrever a sensação de uma alma que, liberta de sua prisão corporal, passa desta vida à outra, do tempo à eternidade, e do finito ao infinito. Meu corpo imóvel e já revestido dessa brancura mate, entregue à morte, paira sobre seu caixão fúnebre, cercado de religiosas em prece, e dele eu estava tão destacada quanto pode calar a borboleta da crisálida, casca vazia, despojo informe, para abrir suas jovens asas à luz desconhecida e subitamente revelada. A uma intermitência de sombra profunda havia sucedido um deslumbramento de esplendor, um alargamento de horizonte, um desaparecimento de todo limite e de todo obstáculo, que me embriagava de um júbilo indizível. Explosões de sentidos novos me faziam compreender os mistérios impenetráveis ao pensamento e aos órgãos terrenos. Desembaraçada desta argila submetida às leis da gravidade, que me tornavam pesada pouco antes, eu me lançava com uma celeridade louca no éter insondável. As distâncias não existiam mais para mim e meu simples desejo me tornava presente onde eu queria estar. Traçava grandes círculos, num voo mais rápido que a luz, através do azul vago dos espaços, como para tomar posse da imensidade, cruzando-me com enxames de almas e de Espíritos.”
“E a tela se desenrola sempre mais esplêndida. Ignoro se, no fundo da alma, o Sr. Théophile Gautier é espírita; mas, com certeza, ele serve aos materialistas, aos descrentes a bebida salutar em taças de ouro magnificamente cinzeladas.
“Eu ainda bendigo o ano de 1865 pelas grossas cóleras que encerrava em seus flancos. Ninguém se engane com isto: os Irmãos Davenport são menos causa do que pretexto para a cruzada. Soldados de todos os uniformes contra nós apontaram os seus canhões raiados. Então o que provaram? A força e a resistência da cidade sitiada. Conheço um jornal do Midi, muito espalhado, muito estimado, e a justo título que, desde há muito tempo, enterra pobremente o Espiritismo uma vez por mês; de onde a consequência que o Espiritismo ressuscita ao menos doze vezes por ano. Vereis que eles o tornarão imortal à força de o matar.
“Agora não tenho mais senão os meus augúrios de ano novo. Meus primeiros votos são para vós, senhor e caro mestre, pela vossa felicidade, pela vossa obra tão valentemente empreendida e tão dignamente continuada.
“Faço votos pela união íntima de todos os espíritas. Vi, com pesar, algumas nuvens leves caindo em nosso horizonte. Quem nos amará se não nos sabemos amar? Como dizeis muito bem no último de vossa Revista: “Quem quer que creia na existência e na sobrevivência das almas, ou na possibilidade de relação entre os homens e o mundo espiritual, é espírita.” Que esta definição fique, e sobre este terreno sólido estaremos sempre de acordo. E agora, se detalhes da doutrina, mesmo importantes, por vezes nos dividem, discutamo-los, não como fratricidas, mas como homens que só têm um objetivo: a vitória da razão e, pela razão, a busca do verdadeiro e do belo, o progresso da ciência, a felicidade da humanidade.
“Ficam os meus mais ardentes votos, os mais sinceros. Eu os dirijo a todos os que se dizem nossos inimigos: que Deus os ilumine!
“Adeus, senhor, recebei, para vós e para todos os nossos irmãos de Paris, a nova segurança de meus sentimentos afetuosos e de minha distinta consideração.”
T. JAUBERT
Vice-Presidente do Tribunal
Qualquer comentário sobre esta carta seria supérfluo; apenas acrescentaremos uma palavra, é que homens como o Sr. Jaubert honram a bandeira que carregam. Sua apreciação tão judiciosa sobre a obra do Sr. Théophile Gautier nos dispensa do relato que nos propúnhamos dela fazer este mês. Nós a lembraremos no próximo número.