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Revista Espírita 1863 » Maio » Estudo sobre os possessos de Morzine

CAUSAS DA OBSESSÃO E MEIOS DE COMBATÊ-LA

 

(QUINTO E ÚLTIMO ARTIGO[1])

 

Como deve ter sido notado, o Sr. Constant chegou a Morzine com a ideia de que a causa do mal era puramente física. Ele podia ter razão, porque seria absurdo supor a priori uma influência oculta a todo efeito cuja causa é desconhecida. Segundo ele, essa causa está inteiramente nas condições higiênicas, climáticas e fisiológicas dos habitantes.

Estamos longe de pretender que ele tivesse vindo com uma opinião contrária prontinha, o que não teria sido mais lógico. Dizemos apenas que com sua ideia preconcebida ele não viu apenas o que queria ver, ao passo que se tivesse admitido, em sua opinião, somente a possibilidade de outra causa, teria visto outra coisa.

Quando uma causa é real, deve poder explicar todos ou efeitos que produz. Se certos efeitos vêm contradizê-la, é que ela é falsa, ou que não é única, e então é preciso procurar outra. Incontestavelmente é o caminho mais lógico.

A Justiça, nas suas investigações em busca da criminalidade, não procede de modo diverso. Se se trata de constatar um crime, chega ela com a ideia de que deve ter sido cometido desta ou daquela maneira, por tal ou qual pessoa? Não. Ela observa as menores circunstâncias e, remontando dos efeitos às causas, afasta as que são inconciliáveis com os efeitos observados e, de dedução em dedução, é raro que não chegue à constatação da verdade.

Dá-se o mesmo nas ciências. Quando uma dificuldade resta insolúvel, o mais sábio é suspender seu julgamento. A partir de então, toda hipótese é permitida para tentar resolvê-la. Mas se essa hipótese não resolve todos os casos da dificuldade, é que ela é falsa. Ela não tem o caráter de uma verdade absoluta se não der a razão de tudo.

É assim que no Espiritismo, por exemplo, à parte toda constatação material, remontando dos efeitos às causas, chega-se ao princípio da pluralidade das existências, como consequência inevitável, porque só ele explica claramente o que nenhum outro pôde explicar.

Aplicando este método aos fatos de Morzine, é fácil ver que a causa única admitida pelo Sr. Constant está longe de tudo explicar. Ele constata, por exemplo, que geralmente as crises cessam quando os doentes estão fora do território da comuna. Se, pois, o mal é devido à constituição linfática e à má nutrição dos habitantes, como essa causa cessa de agir quando eles transpõem a ponte que os separa da comuna vizinha? Se as crises nervosas não fossem acompanhadas de nenhum outro sintoma, ninguém duvida que se pudesse, aparentemente, atribuí-los a um estado constitucional, mas há fenômenos que não seriam explicados exclusivamente por esse estado.

Aqui o Espiritismo nos oferece uma comparação chocante. No começo das manifestações, quando se viam mesas girando, batendo, erguendo-se no espaço sem ponto de apoio, o primeiro pensamento foi que isso podia ser por ação da eletricidade, do magnetismo ou de outro fluido desconhecido. Essa suposição não era desarrazoada; ao contrário, oferecia total probabilidade. Mas quando se viu que os movimentos davam sinal de inteligência; que manifestavam uma vontade própria, espontânea e independente, a primeira hipótese teve de ser abandonada, pois não resolvia esta fase do fenômeno, e houve que reconhecer-se uma causa inteligente para um efeito inteligente. Qual era essa inteligência? Foi, ainda, por via da experimentação que a ela se chegou, e não por um sistema preconcebido.

Citemos outro exemplo. Quando, observando a queda dos corpos, Newton notou que todos caíam na mesma direção, procurou a causa e levantou uma hipótese. Essa hipótese, resolvendo todos os casos do mesmo gênero, tornou-se a lei da gravitação universal, lei puramente mecânica, porque todos os efeitos eram mecânicos. Mas, suponhamos que vendo cair uma maçã, essa maçã tivesse obedecido à sua vontade; que, a seu comando, em vez de descer ela tivesse subido; que ela fosse para a direita ou para a esquerda; que ela parasse ou entrasse em movimento; que, por um sinal qualquer tivesse respondido ao seu pensamento, ele teria sido forçado a reconhecer algo que não uma lei mecânica, isto é, que não sendo inteligente, a maçã deveria ter obedecido a uma inteligência. Assim foi com as mesas girantes. Assim é com os doentes de Morzine.

Para não falar senão de fatos observados pelo próprio Sr. Constant, perguntaríamos: Como uma alimentação má e um temperamento linfático podem produzir a antipatia religiosa em criaturas naturalmente religiosas e até devotas? Se fosse um fato isolado podia ser uma exceção, mas reconhece-se que é geral e que é um dos caracteres da doença, lá e alhures. Eis um efeito. Procurai a sua causa. Não a conheceis? Seja. Confessai-o, mas não digais que é devido ao fato de os habitantes comerem batatas e pão preto, nem à sua ignorância e inteligência obtusa, porque vos oporão o mesmo efeito entre gente que vive na abundância e recebeu instrução. Se o conforto bastasse para curar a impiedade, ficaríamos admirados de encontrar tantos ímpios e blasfemadores entre as criaturas que de nada se privam.

O regime higiênico explicaria melhor este outro fato não menos característico e geral do sentimento de dualidade que se traduz de modo inequívoco na linguagem dos doentes? Certamente não. É sempre um terceiro que fala. Há sempre uma distinção entre ele e a moça, fato constante entre os indivíduos no mesmo caso, seja qual for a sua classe social.

Os remédios são ineficazes por uma boa razão. É que eles são bons, como diz aquele terceiro, para a moça, isto é, para o ser corporal, mas não para o outro, aquele que não é visto e que, entretanto, a faz agir, a constrange, a subjuga, a derruba e se serve de seus membros para bater e de sua boca para falar.

Ele diz nada haver visto que justifique a ideia da possessão, mas os fatos estavam ante os seus olhos, e ele mesmo os menciona. Podem ser ex­plicados pela causa que ele lhes atribui? Não. Então, essa causa não é verídica. Ele via os efeitos morais e devia procurar uma causa moral.

Outro médico, o Dr. Chiara, que também visitou Morzine e publicou sua apreciação[2], constata os mesmos fenômenos e os mesmos sintomas que o Sr. Constant. Entretanto, para ele, como para este último, os Espíritos malignos estão na imaginação dos doen­tes. Em seu trabalho encontramos o seguinte fato, a propósito de uma doente:

 

“O acesso começa por um soluço e movimentos de deglutição; pela flexão e soerguimento alternativos da cabeça sobre o tronco; em seguida, depois de várias contorções que lhe dão ao rosto tão suave uma expressão horrorosa, ela grita:

“─ S... doutor, eu sou o diabo... Tu queres fazer-me sair da moça? Eu não tenho medo de ti... Vem!... Faz quatro anos que a possuo. Ela é minha. Eu ficarei aqui.

“─ Que fazes nesta moça?

“─ Eu a atormento.

“─ E por que, infeliz, atormentas uma pessoa que não te fez nenhum mal?

“─ Porque me puseram aqui para atormentá-la.

“─ Tu és um celerado.

“Aqui paro, atordoado por uma avalanche de injúrias e imprecações.”

 

Falando de outra doente, diz ele:

 

“Após alguns instantes de uma cena muda, de uma pan­tomima mais ou menos expressiva, nossa possessa põe-se a soltar pragas horríveis. Espumando de raiva, ela nos injuria a todos com um furor sem igual. Mas ─ digamo-lo já ─ não é a moça que assim se exprime, é o diabo que a possui e que, servindo-se de seu órgão, fala em seu próprio nome. Quanto à nossa energúmena, é apenas um instrumento passivo no qual foi inteiramente abolida a noção do eu. Se for interpelada diretamente, fica muda. Só Belzebu responderá.

“Enfim, depois de aproximadamente três minutos, esse drama horrível cessa de repente, como que por encanto. A mocinha B... retoma o aspecto mais calmo natural do mundo, como se nada tivesse acontecido. Tricotava antes, eis que tricota depois, parecendo não ter interrompido o trabalho. Interrogo-a. Ela responde que não sente a menor fadiga, e não se lembra de nada. Falo-lhe das injúrias que nos dirigiu. Ela as ignora, mas parece contrariar-se e nos pede desculpas.

“Em todas essas doentes, a sensibilidade geral é abolida completamente. Elas podem ser beliscadas, picadas ou queimadas e nada sentem. Numa delas fiz uma dobra na pele e atravessei com uma agulha comum. Correu sangue, mas ela nada sentiu.

“Em Morzine vi ainda várias dessas doentes fora do estado de crise. Eram jovens, gordas e agradáveis, gozando da plenitude de suas faculdades físicas e morais. Vendo-as era impossível supor a existência da menor afecção.”

 

Isto contrasta com o estado raquítico, macilento e sofredor que o Sr. Constant acredita ter notado. Quanto ao fenômeno da insensibilidade durante as crises, não é, como se viu, a única aproximação que os fatos apresentam com a catalepsia, o so­nambulismo e a dupla vista.

Após todas suas observações, o Dr. Chiara chegou a esta definição do mal:

“É um conjunto mórbido, formado de diferentes sintomas, tomado um pouco em todo o quadro patológico das moléstias nervosas e mentais; numa palavra, é uma afecção sui generis, para a qual conservarei, pouco ligando às denominações, o nome de histerodemonia, que já lhe foi dado.”

É caso de dizer: “Quem tiver ouvidos, ouça.” É um mal particular, formado de diferentes partes, e que tem sua fonte um pouco em toda parte. É o mesmo que dizer simplesmente: “É um mal que não compreendo.” É um mal sui generis, estamos de acordo, mas qual é esse gênero ao qual nem sabeis dar o nome?

Poderíamos provar a insuficiência de uma causa puramente material para explicar o mal de Morzine, por muitas outras aproximações, mas que os próprios leitores farão. Que eles queiram, portanto, reportar-se aos nossos artigos precedentes, sobre o mesmo assunto, nos quais dizemos a maneira pela qual se opera a ação dos Espíritos obsessores, bem como os fenômenos resultantes dessa ação, e a analogia ressaltará com a última evidência.

Se, para a gente de Morzine, o terceiro interveniente é o diabo, é porque lhes disseram que era o diabo, e eles só sabiam isto. Aliás, é sabido que certos Espíritos de baixo nível divertem-se tomando nomes infernais para apavorar. Substituí esse nome, em sua boca, pelo vocábulo Espírito, ou antes, maus Espíritos, e tereis a reprodução idêntica de todas as cenas de obsessão e de subjugação que nós relatamos.

É incontestável que, numa região onde dominasse a ideia do Espiritismo, sobrevindo uma epidemia semelhante, os doentes se dissessem solicitados por maus Espíritos, quando, aos olhos de certas pessoas, pareceriam loucos. Eles dizem que é o diabo: é uma afecção nervosa. É o que teria acontecido em Morzine, se o conhecimento do Espiritismo ali tivesse precedido a invasão desses Espíritos. Então seus adversários teriam gritado: Haro![3] Segurem ele! Mas a Providência não lhes quis dar essa satisfação passageira. Ao contrário, quis provar sua impotência para combater o mal pelos meios ordinários.

No final das contas, recorreram ao afastamento das doentes, que foram removidas para os hospitais de Thonon, Chambéry, Lyon, Mâcon etc. O meio era bom porque quando todas tivessem sido transportadas, eles poderiam gabar-se de que não existiam mais doentes na região. A medida podia basear-se num fato observado, o da cessação das crises fora da comuna, mas parece ter-se baseado em outra consideração: o isolamento das doentes. Aliás, a opinião do Sr. Constant é categórica: “Deveria haver uma espécie de lazareto, diz ele, onde pudessem ser escondidas, assim que se mostrassem, as desordens morais e nervosas cuja pro­priedade contagiosa fosse estabelecida, como disse meu velho amigo Dr. Bouchut. Enquanto se aguardava coisa melhor, o lazareto foi encontrado, o asilo de alienados, o único lugar verdadeiramente conveniente para o tratamento racional e completo das doentes com as quais me ocupo, quer se admita que sua doença seja de fato uma variedade de alienação, quer mesmo não admitindo que fossem, sob qualquer título, tomadas como alienadas. É necessário sobre elas produzir um certo grau de intimidação; ocupar seu espírito de modo a deixar o menor tempo possível às suas preocupações com outros problemas; subtraí-las absolutamente a toda influência religiosa irrefletida e desmedida, às conversas, aos conselhos ou observações susceptíveis de alimentar seu erro, que, ao contrário, deve ser combatido diariamente; dar-lhes um regime apropriado; obrigá-las, enfim, a se submeterem às prescrições que poderia ser útil associar a um tratamento puramente moral e ter os meios de execução. Onde encontrar reunidas todas essas condições necessárias, essenciais, senão num asilo? Teme-se para essas doentes o contacto com as verdadeiras alienadas. Esse contacto teria sido menos prejudicial do que se pensa­va e, afinal, teria sido fácil conservar provisoriamente um pavilhão só para as doentes de Morzine. Se sua aglomeração tivesse tido qualquer inconveniente, ter-se-ia encontrado compensação na própria reunião, e estou convicto de que o nome de asilo, de casa de loucos, por si só teria produzido mais de uma cura, e que fossem encontrados poucos diabos que uma ducha não teria posto em fuga.”

 

Estamos longe de partilhar do otimismo do Sr. Constant sobre a inocuidade do contacto dos alienados e a eficácia das duchas em casos semelhantes. Ao contrário, estamos persuadidos de que tal regime pode produzir uma verdadeira loucura, onde não há senão uma loucura aparente. Ora, note-se bem que fora das crises, as doentes têm todo o bom-senso e são sãs de corpo e espírito; não há nelas senão uma perturbação passageira, sem quaisquer características da loucura propriamente dita. Seu cérebro, necessariamente enfraquecido pelos ataques frequentes que experimenta, seria ainda mais facilmente impressionado pela visão dos loucos e pela só ideia de achar-se entre loucos. O Sr. Constant atribui o desenvolvimento e a continuidade da moléstia à imitação, à influência das conversas dos doentes entre si, e aconselha a pô-las entre loucos ou isolá-las num pavilhão de hospital! Não é uma contradição evidente? É isso que ele entende por tratamento moral?

Em nossa opinião, o mal se deve a uma causa absolutamente diversa e requer meios curativos totalmente diferentes. Ele tem a sua fonte na reação incessante que existe entre o mundo visível e o invisível que nos cerca e em cujo meio vivemos, isto é, entre os homens e os Espíritos, que não passam de almas dos que viveram, e entre os quais há bons e maus. Essa reação é uma das forças, uma das leis da Natureza, e produz uma porção de fenômenos psicológicos, fisiológicos e morais incompreendidos, porque a causa era desconhecida. O Espiritismo nos deu a conhecer essa lei, e considerando-se que os efeitos são submetidos a uma lei da Natureza, nada têm de sobrenatural. Vivendo no meio desse mundo, que não é tão imaterial quanto o imaginam, uma vez que esses seres, embora invisíveis, têm corpos fluídicos semelhantes aos nossos, nós sentimos a sua influência. A dos bons Espíritos é salutar e benéfica. A dos maus é perniciosa como o contacto das criaturas perversas na Sociedade.

Assim, dizemos que em Morzine, de momento, uma nuvem desses seres invisíveis malfazejos abateu-se sobre a localidade, como aconteceu sobre muitas outras, e não será com duchas nem alimentos suculentos que serão expulsos. Uns os chamam diabos ou demônios. Nós os chamamos apenas maus Espíritos ou Espíritos inferiores, o que não implica uma melhor qualidade, mas o que é muito diferente pelas consequências, visto que a ideia ligada aos demônios é a de seres à parte, enquanto eles não passam de almas de homens que foram maus na Terra, mas que acabarão por se melhorarem um dia. Indo a essa localidade, eles fazem, como Espíritos, o que teriam feito se tivessem ido enquanto em vida, isto é, o mal que faria um bando de malfeitores. É, pois, necessário expulsá-los, como se expulsaria uma tropa inimiga.

Em a natureza desses Espíritos está o serem antipáticos à religião, porque temem o seu poder, assim como os criminosos são antipáticos à lei e aos juízes que os condenam, e exprimem esse sentimento pela boca de suas vítimas, verdadeiros médiuns inconscientes, absolutamente certos quando dizem ser apenas ecos. O paciente é reduzido à passividade. Ele está na situação de um homem dominado por um inimigo mais forte, que o obriga a fazer a sua vontade. O eu do Espírito estranho neutraliza momentaneamente o eu pessoal. Há subjugação obsessiva e não possessão.

Que absurdo! dirão certos médicos. Vá que seja absurdo, mas nem por isso deixa de ser tido como verdade por grande número de médicos. Tempo virá, mais rapidamente do que se pensa, em que a ação do mundo invisível será genericamente admitida e a influência dos maus Espíritos será posta entre as causas patológicas. Será levado em conta o importante papel desempenhado pelo perispírito na fisiologia, e uma nova via de cura será aberta para uma porção de doenças considerada incuráveis.

Se assim é, perguntarão de onde vem a inutilidade dos exorcismos. Isto prova uma coisa: é que os exorcismos, tais quais são praticados, não valem mais que os remédios, porque sua eficácia não está no ato exterior, na virtude das palavras e si­nais, mas no ascendente moral exercido sobre os maus Espíritos.

Os doentes não diziam: “Não são remédios que nos faltam, mas padres santos?” E insultavam-nos dizendo que eles não eram bastante santos para terem ascendência sobre os demônios. Era a alimentação de batatas que os levava a falar assim? Não, mas a intuição da verdade. A ineficácia do exorcismo, em casos semelhantes, é constatada pela experiência. E por quê? Porque consiste em cerimônias e fórmulas de que se riem os maus Espíritos, ao passo que cedem ao ascendente moral que se lhes impõe. Eles veem que querem dominá-los por meios impotentes e querem mostrar-se mais fortes. São como o cavalo passarinheiro que derruba o cavaleiro inábil, mas se dobra quando encontra um mestre.

“Numa dessas cerimônias,” diz o Dr. Chiara, “houve na igreja, onde haviam reunido todos os doentes, um tumulto horrível. Todas as mulheres caíram em crise simultaneamente, derrubando, quebrando os bancos da igreja e rolando pelo chão, de mistura com homens e crianças, que em vão se esforçavam por contê-las. Elas proferem blasfêmias horríveis e incríveis e interpelam os sacerdotes nos mais injuriosos termos.”

Nesse momento cessaram as cerimônias públicas de exorcismo, mas foram exorcizar a domicílio, a qualquer hora do dia e da noite, o que não deu melhores resultados, determinando-se sua renúncia.

Citamos vários exemplos da força moral em semelhantes casos, e quando não tivéssemos sob os olhos um número suficiente de provas, bastaria lembrar a que exercia o Cristo que, para expulsar os demônios, apenas mandava que se retirassem. Comparai, nos Evangelhos, os possessos daquele tempo com os de nossos dias, e vereis uma chocante similitude. Jesus os curava por milagres, direis vós. Que seja, mas eis um fato passado entre os cismáticos, que não considerareis menos miraculoso.

O Sr. A..., de Moscou, que não havia lido o nosso relato, contava-nos, há poucos dias, que nas suas propriedades os habitantes de uma aldeia foram atingidos por um mal em tudo semelhante ao de Morzine. Mesmas crises, mesmas convulsões, mesmas blasfêmias, mesmas injúrias contra os padres, mesmo efeito do exorcismo, mesma impotência da ciência médica. Um de seus tios, o Sr. R..., de Moscou, poderoso magnetizador, homem de bem por excelência, de coração muito piedoso, tendo vindo visitar aqueles infelizes, parava as convulsões mais violentas pela simples imposição das mãos, acompanhada sempre de fervorosa prece. Repetindo esse ato, ele acabou curando quase todos radicalmente.

Este exemplo não é o único. Como explicá-lo, senão pela influência do magnetismo, secundada pela prece, remédio pouco usado por nossos materialistas, porque não se encontra no códex nem nas farmácias? Remédio poderoso, entretanto, quando parte do coração e não dos lábios, e que se apoia numa fé viva e num ardente desejo de fazer o bem. Descrevendo a obsessão em nossos primeiros artigos, explicamos a ação fluídica que se exerce em tal circunstância, e daí concluímos, por analogia, que esse teria sido um poderoso auxiliar em Morzine.

Seja como for, parece que o mal chegou a seu termo, a despeito das condições da região continuarem as mesmas.

Por que isto? É o que ainda não nos é permitido dizer. Como, porém, mais tarde será reconhecido, haverá servido ao Espiritismo mais do que se pensa, ainda quando não fosse senão para provar, por um grande exemplo, que aqueles que não o conhecem não estão preservados contra a ação dos maus Espíritos, bem como a impotência dos meios ordinários empregados para expulsá-los.

Terminaremos tranquilizando certos habitantes da região sobre a pretensa influência que alguns dentre eles teria podido exercer causando o mal, como o dizem. A crença nos cartomantes deve ser relegada às superstições. Que eles sejam piedosos de coração, e os que se encarregaram de conduzi-los se esforcem por elevá-los moralmente, eis o mais seguro meio de neutralizar a influência dos maus Espíritos e de prevenir a volta do que se passou. Os maus Espíritos só se dirigem àqueles a quem sabem que podem dominar, e não àqueles a quem a superioridade moral ─ não dizemos intelectual ─ encouraça contra os ataques.

Aqui se apresenta uma objeção muito natural, que convém prevenir. Talvez perguntem por que todos os que fazem o mal não são atingidos pela possessão? A isto respondemos que fazendo o mal, ele sofre de outra maneira a perniciosa influência dos maus Espíritos, cujos conselhos escutam, pelo que serão punidos com tanto mais severidade quanto mais agirem com conhecimento de causa.

Não creiais na virtude de nenhum talismã, de nenhum amuleto, de nenhum signo, de nenhuma palavra para afastar os maus Espíritos. A pureza de coração e de intenção, o amor a Deus e ao próximo, eis o melhor talismã, porque lhes tira todo império sobre as nossas almas.

 

Eis a comunicação que a respeito deu o Espírito de São Luís, guia espiritual da Sociedade Espírita de Paris:

 

“Os possessos de Morzine estão realmente sob a influência dos maus Espíritos, atraídos para aquela região por causas que conhecereis um dia, ou melhor, que vós mesmos reconhecereis um dia. O conhecimento do Espiritismo ali fará predominar a boa influência sobre a má, isto é, os Espíritos curadores e consoladores, atraídos pelos fluidos simpáticos, substituirão a maligna e cruel influência que desola aquela população. O Espiritismo é chamado a prestar grandes serviços. Ele será o curador desses males cuja causa era antes desconhecida e ante as quais a Ciência continua impotente. Ele sondará as chagas morais e lhes ministrará o bálsamo reparador. Tornando os homens melhores, deles afastará os maus Espíritos, atraídos pelos vícios da Humanidade.

Se todos os homens fossem bons, os maus Espíritos deles se afastariam, porque não poderiam induzi-los ao mal. A presença dos homens de bem os afugenta e a dos homens viciosos os atrai, ao passo que se dá o contrário com os bons Espíritos.

Sede bons, portanto, se quiserdes ter apenas bons Espíritos em redor de vós.” (Médium, Sra. Costel).



[1] Ver os números de dezembro de 1862 e janeiro, fevereiro e abril de 1868. Ver também sobre o mesmo assunto o número de abril de 1862.

[2] Les Diables de Morzine, no Mégret, quai de l’Hôpital, 51, em Lyon.

[3] Haro! (Do Direito ancestral.) Grito de apelo por ajuda, pela vítima de um flagrante delito, e que torna obrigatórias a intervenção das autoridades e o arresto do culpado. Clamor de haro, haro, fóumula jurídica que dava a cada um o direito de erigir-se em oficial de justiça e de prender o culpado. (Grande Enciclopedia Glasson – apud Grand Robert) (N. Equipe revisora.)


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