O HOMEM DURANTE A VIDA TERRESTRE
116. Como e em que momento se opera a união da alma e do corpo?
Desde a concepção, o Espírito, embora errante, fica ligado por um laço fluídico ao corpo ao qual deve unir-se. Esse laço se estreita cada vez mais à medida que o corpo se desenvolve. Desse esse momento, o Espírito é tomado por uma perturbação que vai aumentando incessantemente; ao aproximar-se o nascimento, a perturbação é completa, o Espírito perde a consciência de si mesmo e só recobra suas ideias gradualmente a partir do momento em que a criança respira; é então que a união está completa e definitiva.
117. Qual é o estado intelectual da alma da criança no momento de seu nascimento?
Seu estado intelectual e moral é o mesmo que era antes de sua união com o corpo, isto é, a alma possui todas as ideias adquiridas anteriormente; porém, devido à perturbação que acompanha sua mudança, suas ideias estão momentaneamente em estado latente. Elas se esclarecem pouco a pouco, mas não podem manifestar-se senão proporcionalmente ao desenvolvimento dos órgãos.
118. Qual é a origem das ideias inatas, das disposições precoces, das aptidões instintivas para uma arte ou uma ciência, abstração feita de toda instrução?
As ideias inatas podem ter apenas duas fontes: a criação de almas mais perfeitas umas que as outras, no caso de serem criadas ao mesmo tempo que o corpo, ou um progresso anterior realizado antes da união da alma e do corpo. Sendo a primeira hipótese incompatível com a Justiça de Deus, resta apenas a segunda. As ideias inatas são o resultado dos conhecimentos adquiridos nas existências anteriores e que permanecem em estado de intuição, para servirem de base à aquisição de novas ideias.
119. Como gênios se revelam em classes da sociedade privadas de toda cultura intelectual?
Esse fato prova que as ideias inatas são independentes do meio em que o homem é educado. O meio e a educação desenvolvem as ideias inatas, mas não as dão. O homem de gênio é a encarnação de um Espírito já avançado e que já havia progredido muito; é por isso que a educação pode dar a instrução que falta, mas não pode dar o gênio quando ele não existe.
120. Por que existem crianças instintivamente boas num meio perverso, apesar dos maus exemplos, enquanto outras são instintivamente viciosas num bom meio, mesmo com bons conselhos?
Isso resulta do progresso moral realizado, assim como as ideias inatas são o resultado do progresso intelectual.
121. Por que de dois filhos do mesmo pai, educados nas mesmas condições, um é inteligente e o outro estúpido, um bom e o outro mau? Por que o filho de um homem de gênio às vezes é um tolo, e o de um tolo, um homem de gênio?
Esse fato vem em apoio da origem das ideias inatas; ademais, ele prova que a alma da criança absolutamente não procede da alma dos pais; caso contrário, em virtude do axioma que a parte é da mesma natureza que o todo, os pais transmitiriam aos seus filhos suas qualidades e seus defeitos, como lhes transmitem o princípio das qualidades corporais. Na geração, somente o corpo procede do corpo, mas as almas são independentes umas das outras.
122. Se as almas são independentes umas das outras, de onde vem o amor dos pais por seus filhos e reciprocamente?
Os Espíritos se unem por simpatia, e o nascimento em tal ou tal família não é de maneira alguma fruto do acaso, mas quase sempre depende da escolha do Espírito que se reúne àqueles que amou no mundo dos Espíritos ou em existências anteriores. Por outro lado, os pais têm a missão de ajudar no progresso dos Espíritos que se encarnam em seus filhos; e, para incitá-los a isso, Deus lhes inspira uma afeição mútua, mas muitos falham em sua missão e são punidos por isso. (O Livro dos Espíritos, n° 379, da Infância)
123. Por que existem maus pais e maus filhos?
São Espíritos que não estão unidos a uma família por simpatia, mas para se servirem mutuamente de prova, e frequentemente por punição pelo que foram numa existência anterior; a um é dado um mau filho, porque ele mesmo talvez tenha sido um mau filho; a outro, um mau pai, porque ele terá sido um mau pai, a fim de que sofram a pena de talião (Revista Espírita, 1861, p. 270: A Pena de Talião).
124. Por que encontramos em certas pessoas, nascidas numa condição servil, instintos de dignidade e de grandeza, enquanto outras, nascidas nas classes superiores, têm instintos de baixeza?
É uma lembrança intuitiva da posição social que haviam ocupado e do caráter que tinham na existência precedente.
125. Qual é a causa das simpatias e antipatias entre pessoas que se veem pela primeira vez?
Com frequência são pessoas que se conheceram, e às vezes se amaram em uma existência precedente, e que, se reencontrando, são atraídas uma para a outra.
As antipatias instintivas quase sempre provêm também de relações anteriores.
Esses dois sentimentos podem ainda ter outra causa. O perispírito irradia ao redor do corpo como uma espécie de atmosfera impregnada das qualidades boas ou más do Espírito encarnado. Duas pessoas que se encontram experimentam, pelo contato dos fluidos, a impressão da sensitiva; essa impressão é agradável ou desagradável; os fluidos tendem a se confundir ou a se repelir, segundo sua natureza semelhante ou dessemelhante.
É assim que se pode explicar o fenômeno da transmissão do pensamento. Pelo contato dos fluidos, duas almas leem, de certa maneira, uma na outra; elas se adivinham e se compreendem sem se falarem.
126. Por que o homem não tem a lembrança de suas existências anteriores? Essa lembrança não seria necessária para seu progresso futuro?
(Veja-se acima, segundo diálogo, Esquecimento do passado.)
127. Qual é a origem do sentimento chamado de consciência?
É uma lembrança intuitiva do progresso realizado nas existências precedentes e das resoluções tomadas pelo Espírito antes da encarnação, resoluções que nem sempre ele tem a força de manter como homem.
128. O homem tem seu livre-arbítrio, ou está submetido à fatalidade?
Se a conduta do homem estivesse submetida à fatalidade, não haveria para ele nem a responsabilidade do mal, nem o mérito do bem; logo, toda punição seria injusta e toda recompensa uma insensatez. O livre-arbítrio do homem é uma consequência da justiça de Deus, é o atributo que lhe dá sua dignidade e o eleva acima de todas as outras criaturas. Isso é de tal modo verdadeiro que a estima dos homens uns pelos outros é em razão do livre-arbítrio; aquele que o perde acidentalmente, por doença, loucura, embriaguez ou idiotismo, é lamentado ou desprezado.
O materialista, que acredita que todas as faculdades morais e intelectuais dependem do organismo, reduz o homem ao estado de máquina, sem livre-arbítrio, por conseguinte sem responsabilidade do mal e sem mérito do bem que faz. (Revista espírita, 1861, p. 76: A cabeça de Garibaldi. Idem, 1862, p. 97: Frenologia espiritualista.)
129. Deus criou o mal?
Deus não criou o mal; ele estabeleceu leis, e essas leis são sempre boas, porque ele é soberanamente bom; aquele que as observasse fielmente seria perfeitamente feliz; mas os Espíritos, tendo seu livre-arbítrio, nem sempre as observaram, então o mal é, para eles, o resultado de sua infração a essas leis.
130. O homem nasce bom ou mau?
É preciso distinguir a alma e o homem. A alma é criada simples e ignorante, isto é, nem boa nem má, mas suscetível, em virtude do seu livre-arbítrio, de tomar o caminho do bem ou do mal, em outras palavras, de observar ou de infringir as leis de Deus. O homem nasce bom ou mau conforme seja ele a encarnação de um Espírito adiantado ou atrasado.
131. Qual é a origem do bem e do mal na Terra, e por que há mais mal do que bem?
A origem do mal na Terra vem da imperfeição dos Espíritos que aí estão encarnados; a predominância do mal vem do fato de que, sendo a Terra um mundo inferior, a maioria dos Espíritos que a habitam são eles próprios inferiores ou progrediram pouco. Nos mundos mais adiantados, onde só é permitido encarnar Espíritos depurados, o mal é desconhecido ou constitui minoria.
132. Qual é a causa dos males que afligem a humanidade?
A Terra pode ser considerada ao mesmo tempo como mundo de educação para Espíritos pouco avançados e de expiação para Espíritos culpados. Os males da humanidade são a consequência da inferioridade moral da maioria dos Espíritos encarnados. Pelo contato de seus vícios, eles se tornam reciprocamente infelizes e punem-se uns aos outros.
133. Por que o mau prospera frequentemente, enquanto o homem de bem está em luta com todas as aflições?
Para aquele que só vê a vida presente e crê que ela é a única, isso deve parecer uma soberana injustiça. Não se dá o mesmo quando se considera a pluralidade das existências e a brevidade de cada uma em relação à eternidade. O estudo do Espiritismo prova que a prosperidade do mau tem terríveis consequências nas existências seguintes; que as aflições do homem de bem são, ao contrário, seguidas de uma felicidade tanto maior e duradoura, quanto ele as suportou com mais resignação; é para ele como um dia infeliz em toda uma existência de prosperidade.
134. Por que uns nascem na indigência e outros na opulência? Por que há pessoas que nascem cegas, surdas, mudas ou afetadas de enfermidades incuráveis, enquanto outras têm todas as vantagens físicas? Trata-se de efeito do acaso ou da Providência?
Se é efeito do acaso, não há Providência; se é efeito da Providência, perguntamos onde está sua bondade e sua justiça? Ora, é por não compreenderem a causa desses males que tantas pessoas são levadas a acusá-la. Compreende-se que aquele que se torna miserável ou enfermo por suas imprudências ou excessos seja punido por aquilo em que pecou; mas se a alma é criada ao mesmo tempo que o corpo, o que ela fez para merecer tais aflições desde seu nascimento ou para delas ser isentada? Se admitimos a justiça de Deus, devemos admitir que esse efeito tem uma causa; se tal causa não se encontra nessa vida, ela deve estar antes da vida, pois em todas as coisas a causa deve preceder o efeito; por isso, é preciso que a alma tenha vivido e que tenha merecido uma expiação. Com efeito, os estudos espíritas nos mostram que mais de um homem nascido na miséria foi rico e respeitado numa existência anterior, mas fez mau uso da fortuna que Deus lhe havia dado para administrar; que mais de um que nasceu na abjeção foi orgulhoso e poderoso, abusou de seu poder e oprimiu o fraco; os estudos no-lo mostram às vezes submetido às ordens daquele mesmo a quem havia comandado com dureza, sofrendo com os maus tratos e a humilhação que havia feito sofrer aos outros.
Uma vida penosa nem sempre é uma expiação; quase sempre é uma prova escolhida pelo Espírito, que vê um meio de avançar mais rapidamente se a suporta com coragem. A riqueza também é uma prova, porém mais perigosa ainda que a miséria, pelas tentações que oferece e pelos abusos que provoca; ademais, o exemplo daqueles que viveram prova que ela é uma das quais raramente se sai vitorioso.
A diferença das posições sociais seria a maior das injustiças, quando não resulta da conduta atual, se ela não tivesse uma compensação. É a convicção dessa verdade, que se adquire pelo Espiritismo, que dá a força para suportar as vicissitudes da vida e faz com que se aceite seu destino sem invejar o dos outros.
135. Por que há idiotas e cretinos?
A posição dos idiotas e cretinos seria a menos conciliável com a justiça de Deus, na hipótese de uma única existência. Por mais miserável que seja a condição em que um homem nasceu, ele pode sair dela pela inteligência e pelo trabalho; mas o idiota e o cretino estão condenados desde o nascimento até a morte ao embrutecimento e ao desprezo; não há para eles nenhuma compensação possível. Por que então sua alma teria sido criada idiota?
Os estudos espíritas, feitos sobre os cretinos e os idiotas, provam que sua alma é tão inteligente quanto a dos outros homens; que essa enfermidade é uma expiação infligida a Espíritos por terem abusado de sua inteligência, e sofrem cruelmente por se sentirem presos por laços que não podem quebrar, e pelo desprezo de que são objeto, enquanto talvez tenham sido incensados em sua precedente existência. (Revista espírita, 1860, página 173: O Espírito de um idiota. – Idem., 1861, p. 311: Os cretinos).
136. Qual é o estado da alma durante o sono?
Durante o sono, somente o corpo repousa, mas o Espírito não dorme. As observações práticas provam que nesse instante o Espírito goza de toda sua liberdade e da plenitude de suas faculdades; ele aproveita o repouso do corpo e dos momentos em que sua presença nele não é necessária para agir separadamente e ir aonde quer. Durante a vida, a qualquer distância que se transporte, o Espírito está sempre ligado ao corpo por um laço fluídico que serve para a ele chamá-lo desde que sua presença seja necessária; esse laço só é rompido com a morte.
137. Qual é a causa dos sonhos?
Os sonhos são o resultado da liberdade do Espírito durante o sono; às vezes é a lembrança dos lugares e das pessoas que o Espírito viu ou visitou nesse estado. (O Livro dos Espíritos: Emancipação da alma, sono, sonhos, sonambulismo, segunda visão, letargia, etc., nº 400 e seguintes. – O Livro dos Médiuns: Evocação de pessoas vivas, nº 284. – Revista espírita, 1860, página 11: O Espírito de um lado e o corpo do outro. – Idem, 1860, página 81: Estudo sobre o Espírito das pessoas vivas.)
138. Donde vêm os pressentimentos?
São lembranças vagas e intuitivas do que o Espírito aprendeu em seus momentos de liberdade, algumas vezes são advertências ocultas dadas por Espíritos benevolentes.
139. Por que existem na Terra selvagens e homens civilizados?
Sem a preexistência da alma, essa questão é insolúvel, a menos que se admita que Deus criou almas selvagens e almas civilizadas, o que seria a negação de sua justiça. Por outro lado, a razão recusa admitir que após a morte a alma do selvagem permaneça perpetuamente em um estado de inferioridade, ou que esteja na mesma categoria que a do homem esclarecido.
Admitindo-se um mesmo ponto de partida para as almas, única doutrina compatível com a justiça de Deus, a presença simultânea da selvageria e da civilização na Terra é um fato material que prova o progresso que uns já realizaram e que os outros podem realizar. Portanto, a alma do selvagem alcançará, com o tempo, o mesmo grau da alma civilizada; porém, como morrem selvagens todos os dias, essas almas só podem alcançar tal grau em encarnações sucessivas, cada vez mais aperfeiçoadas, apropriadas ao seu adiantamento, seguindo todos os graus intermediários entre os dois pontos extremos.
140. Não se poderia admitir, segundo a ideia de algumas pessoas, que a alma se encarna apenas uma vez e realiza seu progresso no estado de Espírito ou em outras esferas?
Essa proposição seria admissível se na Terra só houvesse homens no mesmo grau moral e intelectual, caso em que se poderia dizer que a Terra é destinada a determinado grau; ora, temos diante de nós a prova do contrário. Com efeito, não se compreenderia que o selvagem não pudesse alcançar a civilização nesse mundo, visto que há almas mais avançadas encarnadas ao lado dele; nem que estas tenham que forçosamente ter progredido alhures, uma vez que há almas inferiores encarnadas no mesmo globo; daí se deve concluir que a possibilidade da pluralidade das existências terrestres resulta dos próprios exemplos que temos diante dos olhos. Se fosse de outra maneira, precisaria explicar: 1º por que só a Terra teria o monopólio das encarnações? 2º por que, tendo tal monopólio, existem almas de todos os graus encarnadas nela?
141. Por que encontramos, no meio das sociedades civilizadas, seres de uma ferocidade semelhante à dos selvagens mais bárbaros?
São Espíritos muito inferiores, saídos das raças bárbaras, que experimentaram reencarnar em um meio que não é o seu e onde se acham deslocados, como se um rústico de repente fosse transportado para a alta sociedade.
Observação: Não se poderia admitir, sem negar a Deus toda justiça e toda bondade, que a alma do criminoso endurecido tenha, na vida atual, o mesmo ponto de partida que a de um homem repleto de virtudes. Se a alma não é anterior ao corpo, a do criminoso e a do homem de bem são tão novas uma quanto a outra; por que uma seria boa e a outra má?
142. De onde vem o caráter distintivo dos povos?
São Espíritos que, tendo mais ou menos os mesmos gostos e os mesmos pendores, se encarnam em um meio simpático, frequentemente no mesmo meio onde encontram ocasião de satisfazer suas inclinações.
143. Como progridem e como degeneram os povos?
Se a alma fosse criada ao mesmo tempo que o corpo, as dos homens de hoje seriam tão novas e tão primitivas quanto as dos homens da Idade Média; então perguntaríamos por que elas têm costumes mais doces e uma inteligência mais desenvolvida? Se, com a morte do corpo, a alma deixa definitivamente a Terra, perguntamos ainda, qual seria o fruto do trabalho que se faz para melhorar um povo, se este tivesse de ser recomeçado com as almas novas que chegam diariamente?
Os Espíritos se encarnam num meio simpático e em relação com o seu grau de adiantamento. Um chinês, por exemplo, que progrediu suficientemente e não encontra mais em sua raça um meio que corresponda ao grau que atingiu, se encarnará em um povo mais adiantado. À medida que uma geração dá um passo adiante, ela atrai, por simpatia, recém-chegados mais avançados, que talvez sejam aqueles que já viveram no mesmo país, se progrediram; é assim que, gradualmente, uma nação avança. Se a maioria dos novos indivíduos fosse de natureza inferior, os antigos, partindo a cada dia e não retornando a um meio pior, o povo degeneraria e acabaria por se extinguir.
Observação: Essas questões levantam outras que encontram sua solução no mesmo princípio; por exemplo; de onde vem a diversidade das raças na Terra? —Existem raças rebeldes ao progresso? — A raça negra é suscetível de alcançar o nível das raças europeias? — A escravidão é útil para o progresso das raças inferiores? — Como pode se operar a transformação da Humanidade? (O Livro dos Espíritos: Lei do progresso, nº 776 e seguintes. – Revista Espírita, 1862, p. 1: Doutrina dos anjos decaídos; Idem, 1862, p. 97: Perfectibilidade da raça negra.)