223. 1ª No momento em que exerce a sua faculdade, está o médium em estado perfeitamente normal?
"Está, às vezes, num estado, mais ou menos acentuado, de crise. É o que o fadiga e é por isso que necessita de repouso. Porém, habitualmente, seu estado não difere de modo sensível do estado normal, sobretudo se se trata de médiuns escreventes."
2ª As comunicações escritas ou verbais também podem emanar do próprio Espírito encarnado no médium'?
"A alma do médium pode comunicar-se, como a de qualquer outro. Se goza de certo grau de liberdade, recobra suas qualidades de Espírito. Tendes a prova disso nas visitas que vos fazem as almas de pessoas vivas, as quais muitas vezes se comunicam convosco pela escrita, sem que as chameis. Porque, ficai sabendo, entre os Espíritos que evocais alguns há que estão encarnados na Terra. Eles, então, vos falam como Espíritos e não como homens. Por que não se havia de dar o mesmo com o médium?"
a) Não parece que esta explicação confirma a opinião dos que entendem que todas as comunicações provêm do Espírito do médium e não de Espírito estranho?
"Os que assim pensam só erram em darem caráter absoluto à opinião que sustentam, porquanto é fora de dúvida que o Espírito do médium pode agir por si mesmo. Isso, porém, não é razão para que outros não atuem igualmente por seu intermédio."
3ª Como distinguir se o Espírito que responde é o do médium, ou outro?
"Pela natureza das comunicações. Estuda as circunstâncias e a linguagem e distinguirás. No estado de sonambulismo, ou de êxtase, é que, principalmente, o Espírito do médium se manifesta, porque então se encontra mais livre. No estado normal é mais difícil. Aliás, há respostas que se lhe não podem atribuir de modo algum. Por isso é que te digo: estuda e observa."
NOTA. Quando uma pessoa nos fala, distinguimos facilmente o que vem dela daquilo de que ela é apenas o eco. O mesmo se verifica com os médiuns.
4ª Desde que o Espírito do médium há podido, em existências anteriores, adquirir conhecimentos que esqueceu debaixo do envoltório corporal, mas de que se lembra como Espírito, não poderá ele haurir nas profundezas do seu próprio eu as idéias que parecem fora do alcance da sua instrução?
"Isso acontece frequentemente no estado de crise sonambúlica, ou extática, porém, ainda uma vez repito, há circunstâncias que não permitem dúvida. Estuda longamente e medita."
5ª As comunicações que provêm do Espírito do médium, são sempre inferiores às que possam ser dadas por outros Espíritos?
"Sempre, não; pois um Espírito, que não o do médium, pode ser de ordem inferior à deste e, então, falar menos sensatamente. É o que se vê no sonambulismo. Aí, as mais das vezes, quem se manifesta é o Espírito do sonâmbulo, o qual não raro diz coisas muito boas."
6ª O Espírito que se comunica por um médium transmite diretamente seu pensamento, ou este tem por intermediário o Espírito encarnado no médium?
"O Espírito do médium é o intérprete, porque está ligado ao corpo que serve para falar e por ser necessária uma cadeia entre vós e os Espíritos que se comunicam, como é preciso um fio elétrico para comunicar à grande distância uma notícia e na extremidade do fio uma pessoa inteligente, que a receba e transmita."
7ª O Espírito encarnado no médium exerce alguma influência sobre as comunicações que deva transmitir, provindas de outros Espíritos?
"Exerce, porquanto, se estes não lhe são simpáticos, pode ele alterar-lhes as respostas e assimilá-las às suas próprias idéias e a seus pendores; não influencia, porém, os próprios Espíritos, autores das respostas; constitui-se apenas em mau intérprete."
8ª Será essa a causa da preferência dos Espíritos por certos médiuns?
"Não há outra. Os Espíritos procuram o intérprete que mais simpatize com eles e que lhes exprima com mais exatidão os pensamentos. Não havendo entre eles simpatia, o Espírito do médium é um antagonista que oferece certa resistência e se torna um intérprete de má qualidade e muitas vezes infiel. É o que se dá entre vós quando a opinião de um sábio é transmitida por intermédio de um estonteado, ou de uma pessoa de má-fé."
9ª Compreende-se que seja assim, tratando-se dos médiuns intuitivos, porém, não relativamente aos médiuns mecânicos.
"É que ainda não percebeste bem o papel que desempenha o médium. Há aí uma lei que ainda não apanhaste. Lembra-te de que, para produzir o movimento de um corpo inerte, o Espírito precisa utilizar-se de uma parcela de fluido animalizado, que toma ao médium, para animar momentaneamente a mesa a fim de que esta lhe obedeça à vontade. Pois bem: compreende igualmente que, para uma comunicação inteligente, ele precisa de um intermediário inteligente e que esse intermediário é o Espírito do médium."
a) Isto parece que não tem aplicação ao que se chama mesas falantes, visto que, quando objetos inertes, como as mesas, pranchetas e cestas dão respostas inteligentes, o Espírito do médium, ao que se nos afigura, nenhuma parte toma no fato.
"É um erro; o Espírito pode dar ao corpo inerte uma vida fictícia momentânea, mas não lhe pode dar inteligência. Jamais um corpo inerte foi inteligente. É, pois, o Espírito do médium quem recebe, a seu mau grado, o pensamento e o transmite, sucessivamente, com o auxílio de diversos intermediários."
10ª Dessas explicações resulta, ao que parece, que o Espírito do médium nunca é completamente passivo?
"É passivo quando não mistura suas próprias idéias com as do Espírito que se comunica, mas nunca é inteiramente nulo. Seu concurso é sempre necessário, como intermediário, embora se trate dos que chamais médiuns mecânicos."
11ª Não haverá maior garantia de independência no médium mecânico do que no médium intuitivo?
"Sem dúvida alguma e, para certas comunicações, é preferível um médium mecânico; mas, quando se conhecem as faculdades de um médium intuitivo, torna-se indiferente, conforme as circunstâncias. Quero dizer que há comunicações que exigem menos precisão."
12ª Entre os diferentes sistemas, que se hão concebido para explicar os fenômenos espíritas, há um que proclama estar a verdadeira mediunidade num corpo completamente inerte, na cesta, ou no papelão, por exemplo, que serve de instrumento; que o Espírito manifestante se identifica com esse objeto e o torna, além de vivo, inteligente, donde o nome de médiuns inertes dado a esses objetos. Que pensais desse sistema?
"Pouco há que dizer a tal respeito e é que, se o Espírito transmitisse inteligência ao papelão, ao mesmo tempo que a vida, aquele escreveria sozinho, sem o concurso do médium. Fora singular que o homem inteligente se mudasse em máquina e que um objeto inerte se tornasse inteligente. Esse é um dos muitos sistemas oriundos de idéias preconcebidas e que caem, como tantos outros, ante a experiência e a observação."
13ª Um fenômeno bem conhecido poderia abonar a opinião de que há nos corpos inertes animados mais que a vida, mas ainda a inteligência: é o das mesas, cestas, etc. que, pelos seus movimentos, exprimem a cólera ou a afeição?
"Quando um homem agita colérico um pau não é o pau que está presa de cólera, nem mesmo a mão que o segura, mas o pensamento que dirige a mão. As mesas e as cestas não são mais inteligentes do que o pau, elas não têm nenhum sentimento inteligente, mas obedecem a uma inteligência. Numa palavra, o Espírito não se transforma em cesta, nem nela se domicilia."
14ª Desde que não é racional atribuir-se inteligência a esses objetos, poder-se-á considerá-los como uma categoria de médiuns, dando-se-lhes o nome de médiuns inertes'?
"É uma questão de palavras que pouco nos importa, contanto que vos entendais. Sois livres para dar a um boneco o nome de homem."
15ª Os Espíritos só têm a linguagem do pensamento; não dispõem da linguagem articulada, pelo que só há para eles uma língua. Assim sendo, poderia um Espírito exprimir-se, por via mediúnica, numa língua que jamais falou quando vivo? E, nesse caso, de onde tira as palavras de que se serve?
"Acabaste tu mesmo de responder à pergunta que formulaste, dizendo que os Espíritos só têm uma língua, que é a do pensamento. Essa língua todos a compreendem, tanto os homens como os Espíritos. O Espírito errante, quando se dirige ao Espírito encarnado do médium, não lhe fala francês, nem inglês, mas a língua universal que é a do pensamento. Para exprimir suas idéias numa língua articulada, transmissível, toma as palavras ao vocabulário do médium."
16ª Se é assim, só na língua do médium deveria ser possível ao Espírito exprimir-se. Entretanto, é sabido que escreve em idiomas que o médium desconhece. Não há aí uma contradição?
"Nota, primeiramente, que nem todos os médiuns são aptos a esse gênero de exercício e, depois, que os Espíritos só acidentalmente a ele se prestam quando julgam que isso pode ter alguma utilidade. Para as comunicações usuais e de certa extensão preferem servir-se de uma língua que seja familiar ao médium, porque lhes apresenta menos dificuldades materiais a vencer."
17ª A aptidão de certos médiuns para escrever numa língua que lhes é estranha não provirá da circunstância de lhes ter sido familiar essa língua em outra existência e de haverem guardado a intuição dela?
"É certo que isto se pode dar, mas não constitui regra.
Com algum esforço, o Espírito pode vencer momentaneamente a resistência material que encontra. É o que acontece quando o médium escreve, na língua que lhe é própria, palavras que não conhece."
18ª Poderia uma pessoa que não sabe escrever, escrever como médium?
"Sim, mas é fácil de compreender-se que terá de vencer grande dificuldade mecânica, por faltar à mão o hábito do movimento necessário para formar letras. O mesmo sucede com os médiuns desenhistas que não sabem desenhar."
19ª Poderia um médium, muito pouco inteligente, transmitir comunicações de ordem elevada?
"Sim, pela mesma razão que um médium pode escrever numa língua que lhe seja desconhecida. A mediunidade propriamente dita é independente da inteligência, bem como das qualidades morais, e em falta de instrumento melhor pode o Espírito servir-se daquele que tem à mão. Porém, é natural que, para as comunicações de certa ordem, prefira o médium que lhe ofereça menos obstáculos materiais. Acresce outra consideração: o idiota muitas vezes só o é pela imperfeição de seus órgãos, podendo, entretanto, seu Espírito ser mais adiantado do que o julguem. Tens a prova disso em certas evocações de idiotas, mortos ou vivos."
NOTA. Este é um fato constatado pela experiência. Por muitas vezes temos evocado idiotas vivos que hão dado patentes provas de sua identidade e responderam com muita sensatez e mesmo de modo superior. Esse estado é uma punição para o Espírito, que sofre com o constrangimento em que se vê. Um médium idiota pode, pois, algumas vezes oferecer ao Espírito que queira manifestar-se mais recursos do que se supunha. (Veja-se: Revue Spirite, julho de 1860, artigo sobre a Frenologia e a Fisiognomia.)
20ª De onde vem a aptidão de certos médiuns para escrever em verso, malgrado sua ignorância em matéria de poesia?
"A poesia é uma linguagem. Eles podem escrever em verso, como podem escrever numa língua que desconheçam. Depois, é possível que tenham sido poetas em outra existência e, como já te dissemos, os conhecimentos adquiridos jamais os perde o Espírito, que tem de chegar à perfeição em todas as coisas. Assim sendo, o que eles souberam lhes dá, sem que eles suspeitem disso, uma facilidade que não têm em seu estado habitual."
21ª O mesmo ocorre com os que têm aptidão especial para o desenho e a música?
"Sim; o desenho e a música também são maneiras de se exprimirem os pensamentos. Os Espíritos se servem dos instrumentos que mais facilidade lhes oferecem."
22ª A expressão do pensamento pela poesia, pelo desenho, ou pela música depende unicamente da aptidão especial do médium, ou também da do Espírito que se comunica?
"Às vezes, do médium; às vezes, do Espírito. Os Espíritos superiores possuem todas as aptidões. Os Espíritos inferiores só dispõem de conhecimentos limitados."
23ª Por que é que um homem de extraordinário talento numa existência já não o tem na existência seguinte?
"Nem sempre assim é, pois muitas vezes ele aperfeiçoa numa existência o que começou na precedente. Mas, pode acontecer que uma faculdade extraordinária dormite durante certo tempo, para deixar que outra se desenvolva. É um gérmen latente, que tornará a ser encontrado mais tarde e do qual alguns traços, ou, pelo menos, uma vaga intuição sempre permanecem."
224. O Espírito estranho compreende, sem dúvida, todas as línguas, pois as línguas são a expressão do pensamento, e o Espírito compreende pelo pensamento; mas para expressar esse pensamento é necessário um instrumento: este instrumento é o médium. A alma do médium que recebe a comunicação estranha, não a pode transmitir senão pelos órgãos de seu corpo; ora, esses órgãos não podem ter para uma língua desconhecida, a flexibilidade que têm para a que lhes é familiar. Um médium que saiba apenas o francês, bem poderá, acidentalmente, dar uma resposta em inglês, por exemplo, se ao Espírito apraz fazê-lo; porém, os Espíritos, que já acham muito lenta a linguagem humana em confronto com a rapidez do pensamento, tanto que a abreviam quanto podem, se impacientam com a resistência mecânica que encontram; daí porque nem sempre o fazem. Essa também a razão pela qual um médium novato, que escreve penosamente e com lentidão, mesmo na sua própria língua, em geral não obtém mais do que respostas breves e sem desenvolvimento. Por isso os Espíritos recomendam para não fazer, por intermédio deles, senão questões simples. Para as de grande alcance é preciso um médium formado que não oferece nenhuma dificuldade mecânica ao Espírito. Nós não tomaríamos para nosso ledor um estudante que soletra. Um bom operário não gosta de servir-se de ferramentas ruins. Acrescentemos uma outra consideração de grande gravidade no que concerne às línguas estrangeiras. Os ensaios deste gênero são sempre feitos num objetivo de curiosidade e de experiência. Ora, nada é mais antipático aos Espíritos do que as provas a que se tenta submetê-los. A elas jamais se prestam os Espíritos superiores, que se afastam desde que se queira entrar por esse caminho. Tanto se comprazem nas coisas úteis e sérias, quanto lhes repugna ocuparem-se com coisas fúteis e sem objetivo. É, dirão os incrédulos, para nos convencermos, e esse objetivo é útil, porque pode granjear adeptos para a causa dos Espíritos. A isto os Espíritos respondem: "Nossa causa não precisa dos que têm orgulho bastante para se suporem indispensáveis; chamamos a nós os que nós queremos, e esses são frequentemente os mais pequeninos e os mais humildes. Fez Jesus os milagres que lhe pediam os escribas? E de que homens se serviu para revolucionar o mundo? Se quiserdes convencer-vos, de outros meios dispondes, que não a força; começai primeiro por vos submeter: não é regular que o aluno imponha sua vontade a seu mestre."
Daí decorre que, salvo algumas exceções, o médium exprime o pensamento dos Espíritos pelos meios mecânicos que estão à sua disposição, e que a expressão desse pensamento pode, e deve mesmo as mais das vezes ressentir-se da imperfeição de tais meios. Assim, o homem inculto, o camponês, poderá dizer as mais belas coisas, expressar os pensamentos mais elevados, os mais filosóficos, falando como camponês; pois como se sabe, para os Espíritos o pensamento tudo domina. Isto responde à objeção de certos críticos a respeito das incorreções de estilo e de ortografia, que se imputam aos Espíritos, mas que tanto podem provir do médium como do Espírito. Apegar-se a tais coisas não passa de futilidade. Não é menos pueril que se atenham a reproduzir essas incorreções com exatidão minuciosa, conforme o temos visto fazerem algumas vezes. Pode-se, portanto, corrigi-las sem nunhum escrúpulo, a menos que caracterizem o Espírito que se comunica, caso em que é bom conservá-las, como prova de identidade. Assim é, por exemplo, que vimos um Espírito escrever constantemente Jule (sem o s), falando de seu neto, porque, quando vivo, escrevia desse modo, muito embora o neto, que lhe servia de médium, soubesse perfeitamente escrever o seu próprio nome.
225. A dissertação que se segue, dada espontaneamente por um Espírito superior, que se revelou por comunicações da ordem mais elevada, resume da maneira mais clara e mais completa a questão do papel do médiuns:
"Qualquer que seja a natureza dos médiuns escreventes, quer sejam eles mecânicos, semi-mecânicos ou simplesmente intuitivos, nossos procedimentos de comunicação com eles não variam essencialmente. Com efeito, nós nos comunicamos com os próprios Espíritos encarnados, como com os Espíritos propriamente ditos, tão só pela irradiação do nosso pensamento.
"Nossos pensamentos não precisam da vestimenta da palavra para serem compreendidos pelos Espíritos, e todos os Espíritos percebem o pensamento que lhes desejamos comunicar, sendo suficiente que lhes dirijamos esse pensamento e isto em razão de suas faculdades intelectuais; quer dizer que tal pensamento pode ser compreendido por tais ou quais, segundo seu adiantamento, enquanto que para tais outros, esse pensamento não revelando nenhuma lembrança, nenhum conhecimento no fundo de seu coração ou de seu cérebro, não é perceptível para eles. Neste caso, o Espírito encarnado que nos serve de médium é mais próprio para exprimir nosso pensamento para os outros encarnados, ainda que não o compreenda, do que um Espírito desencarnado e pouco adiantado, se fôssemos forçados a recorrer a ele como intermediário; isso porque o ser terrestre põe seu corpo, como instrumento, à nossa disposição, o que o Espírito errante não pode fazer.
"Assim, quando encontramos em um médium o cérebro munido de conhecimentos adquiridos na sua vida atual, e o seu Espírito rico de conhecimentos anteriores latentes, próprios a facilitar nossas comunicações, dele de preferência nos servimos, porque com ele o fenômeno da comunicação nos é muito mais fácil do que com um médium cuja inteligência seja limitada, e cujos conhecimentos anteriores sejam insuficientes. Vamos nos fazer compreender por meio de algumas explicações claras e precisas.
"Com um médium cuja inteligência atual, ou anterior, se ache desenvolvida, o nosso pensamento se comunica instantaneamente de Espírito a Espírito, por uma faculdade própria à essência do Espírito mesmo. Nesse caso, encontramos no cérebro do médium os elementos próprios a dar ao nosso pensamento a vestimenta da palavra correspondente a esse pensamento, e isto, quer o médium seja intuitivo, quer semi-mecânico, ou inteiramente mecânico. Por isso, qualquer que seja a diversidade dos Espíritos que se comunicam a um médium, os ditados obtidos por ele, ainda que procedendo de Espíritos diversos, trazem o cunho da forma e da cor pessoal desse médium. Com efeito, se bem o pensamento lhe seja de todo estranho, se bem o assunto esteja fora do âmbito em que ele habitualmente se move, se bem o que nós queremos dizer não provenha dele, nem por isso deixa o médium de exercer influência, no tocante à forma, pelas qualidades e propriedades inerentes à sua individualidade. É exatamente como quando observais panoramas diversos, com lentes matizadas, verdes, brancas, ou azuis; embora os panoramas, ou objetos observados, sejam inteiramente opostos e independentes, em absoluto, uns dos outros, não deixam por isso de afetar uma tonalidade que provém das cores das lentes. Ou, melhor: comparemos os médiuns a esses bocais cheios de líquidos coloridos e transparentes, que se vêem nos mostruários dos laboratórios farmacêuticos. Pois bem, nós somos como luzes que clareiam certos panoramas morais, filosóficos e internos, através dos médiuns, azuis, verdes, ou vermelhos, de tal sorte que os nossos raios luminosos, obrigados a passar através de vidros mais ou menos bem facetados, mais ou menos transparentes, isto é, de médiuns mais ou menos inteligentes, só chegam aos objetos que desejamos iluminar, tomando a coloração, ou, melhor, a forma de dizer própria e particular desses médiuns. Enfim, para terminar com uma última comparação: nós os Espíritos somos quais compositores de música, que hão composto, ou querem improvisar uma ária e que só têm à mão ou um piano, um violino, uma flauta, um fagote ou uma gaita de dez centavos. É incontestável que, com o piano, o violino, ou a flauta, executaremos a nossa composição de modo muito compreensível para os ouvintes. Se bem sejam muito diferentes uns dos outros os sons produzidos pelo piano, pelo fagote ou pela clarineta, nem por isso ela deixará de ser idêntica em qualquer desses instrumentos, abstração feita dos matizes do som. Mas, se só tivermos à nossa disposição uma gaita de dez centavos, aí está para nós a dificuldade.
"Efetivamente, quando somos obrigados a servir-nos de médiuns pouco adiantados, muito mais longo e penoso se torna o nosso trabalho, porque nos vemos forçados a lançar mão de formas incompletas, o que é para nós uma complicação, pois somos constrangidos a decompor os nossos pensamentos e a ditar palavra por palavra, letra por letra, constituindo isso uma fadiga e um aborrecimento, assim como um entrave real à presteza e ao desenvolvimento das nossas manifestações.
"Por isso é que gostamos de achar médiuns bem adestrados, bem aparelhados, munidos de materiais prontos a serem utilizados, numa palavra: bons instrumentos, porque então o nosso perispírito, atuando sobre o daquele a quem mediunizamos, nada mais tem que fazer senão impulsionar a mão que nos serve de lapiseira, ou caneta, enquanto que, com os médiuns insuficientes, somos obrigados a um trabalho análogo ao que temos, quando nos comunicamos mediante pancadas, isto é, formando, letra por letra, palavra por palavra, cada uma das frases que traduzem os pensamentos que vos queiramos transmitir.
"É por estas razões que de preferência nos dirigimos, para a divulgação do Espiritismo e para o desenvolvimento das faculdades mediúnicas escreventes, às classes cultas e instruídas, embora seja nessas classes que se encontram os indivíduos mais incrédulos, mais rebeldes e mais imorais. É que, assim como deixamos hoje, aos Espíritos galhofeiros e pouco adiantados, o exercício das comunicações tangíveis, de pancadas e transportes, assim também os homens pouco sérios preferem o espetáculo dos fenômenos que lhes afetam os olhos ou os ouvidos, aos fenômenos puramente espirituais, puramente psicológicos.
"Quando queremos transmitir ditados espontâneos, atuamos sobre o cérebro, sobre os arquivos do médium e preparamos os nossos materiais com os elementos que ele nos fornece e isto à sua revelia. É como se lhe tomássemos à bolsa as somas que ele aí possa ter e puséssemos as moedas que as formam na ordem que mais conveniente nos parecesse.
"Mas, quando o próprio médium é quem nos quer interrogar, bom é reflita nisso seriamente, a fim de nos fazer com método as suas perguntas, facilitando-nos assim o trabalho de responder a elas. Porque, como já te dissemos em instrução anterior, o vosso cérebro está freqüentemente em inextricável desordem e, não só difícil, como também penoso se nos torna mover-nos no dédalo dos vossos pensamentos. Quando seja um terceiro quem nos haja de interrogar, é bom e conveniente que a série de perguntas seja comunicada de antemão ao médium, para que este se identifique com o Espírito do evocador e dele, por assim dizer, se impregne, porque, então, nós outros teremos mais facilidade para responder, por efeito da afinidade existente entre o nosso perispírito e o do médium que nos serve de intérprete.
"Sem duvida, podemos falar de matemáticas, servindo-nos de um médium a quem estas sejam absolutamente estranhas; porém, quase sempre, o Espírito desse médium possui, em estado latente, conhecimento do assunto, isto é, conhecimento peculiar ao ser fluídico e não ao ser encarnado, por ser o seu corpo atual um instrumento rebelde, ou contrário, a esse conhecimento. O mesmo se dá com a astronomia, com a poesia, com a medicina, com as diversas línguas, assim como com todos os outros conhecimentos peculiares à espécie humana.
"Finalmente, ainda temos como meio penoso de elaboração, para ser usado com médiuns completamente estranhos ao assunto de que se trate, o da reunião das letras e das palavras, uma a uma, como em tipografia.
"Conforme acima dissemos, os Espíritos não precisam vestir seus pensamentos; eles os percebem e transmitem, reciprocamente, pelo só fato de os pensamentos existirem neles. Os seres corpóreos, ao contrário, só podem perceber os pensamentos, quando revestidos. Enquanto que a letra, a palavra, o substantivo, o verbo, a frase, em suma, vos são necessários para perceberdes, mesmo mentalmente, as idéias, nenhuma forma visível ou tangível nos é necessária a nós."
ERASTO e TIMÓTEO
NOTA. Esta análise do papel dos médiuns e dos processos com a ajuda dos quais os Espíritos se comunicam é tão clara quanto lógica. Dela decorre o princípio de que o Espírito toma no cérebro do médium, não suas ideias, mas os materiais necessários para exprimi-las, e que, quanto mais rico em materiais for esse cérebro, tanto mais fácil será a comunicação. Quando o Espírito se exprime na língua familiar ao médium, encontra nele as palavras inteiramente formadas para revestir a ideia; se o faz numa língua estranha ao médium, não encontra neste as palavras, mas apenas as letras. Por isso é que o Espírito se vê obrigado a ditar, por assim dizer, letra a letra, tal qual como quem quisesse fazer que escrevesse alemão uma pessoa que desse idioma não conhecesse uma só palavra. Se o médium não sabe ler nem escrever, ele não possui nem mesmo as letras; é preciso então conduzir-lhe a mão, como se faz a uma criança que começa a aprender; está aí uma dificuldade ainda maior a vencer. Esses fenômenos são, pois, possíveis e há deles numerosos exemplos; compreende-se, no entanto, que semelhante maneira de proceder pouco apropriada se mostra para comunicações extensas e rápidas e que os Espíritos hão de preferir os instrumentos de manejo mais fácil, ou, como eles dizem, os médiuns bem aparelhados do ponto de vista deles.
Se os que reclamam esses fenômenos, como meio de se convencerem, estudassem previamente a teoria, haviam de saber em que condições excepcionais eles se produzem.