Cedendo às insistentes solicitações de nossos irmãos espíritas de Bruxelas e de Anvers, fomos fazer-lhes uma curta visita este ano, e temos o prazer de dizer que trouxemos a mais favorável impressão do desenvolvimento da doutrina naquele país. Ali encontramos maior número do que esperávamos de adeptos sinceros, devotados e esclarecidos. A simpática acolhida que nos foi feita naquelas duas cidades deixou-nos uma lembrança que não se apagará jamais, e contamos os momentos ali passados entre os mais satisfatórios para nós. Considerando que não podemos enviar nossos agradecimentos a cada um em particular, pedimos a bondade de recebê-los aqui coletivamente.
  Voltando a Paris, encontramos uma mensagem dos membros da Sociedade Espírita de Bruxelas, cujos termos nos sensibilizaram profundamente. Conservamo-la preciosamente, como um testemunho de sua simpatia, mas eles compreenderão facilmente os motivos que nos impedem de publicá-la na Revista. Há, entretanto, uma passagem dessa mensagem que nos impomos o dever de levar ao conhecimento de nossos leitores, porque o fato que ela revela nos diz, mais que longas frases, sobre a maneira pela qual certas pessoas compreendem o Espiritismo. Ei-la:
  “Em comemoração à vossa viagem à Bélgica, nosso grupo decidiu fundar um leito de criança na creche de Saint Josse Tennoode.”
  Nada podia ser mais lisonjeiro para nós do que semelhante testemunho. É dar-nos a maior prova de estima considerar-nos mais honrado com a fundação de uma obra de beneficência em memória de nossa visita, do que com as mais brilhantes recepções, que podem lisonjear o amor-próprio de quem lhe é objeto, mas que não beneficiam a ninguém e não deixam qualquer traço útil.
  Anvers se distingue por um maior número de adeptos e de grupos. Mas aí, como em Bruxelas, e aliás em toda parte, os que fazem parte das reuniões de certo modo oficiais e regularmente constituídas, estão em minoria. As relações sociais e as opiniões emitidas nas conversas provam que a simpatia pela doutrina se estende além dos grupos propriamente ditos. Se nem todos os habitantes são espíritas, a ideia ali não encontra oposição sistemática. Dela se fala como coisa muito natural e não riem. Em geral, pertencendo os adeptos ao alto comércio, nossa chegada foi a novidade da bolsa e desencadeou a conversação, sem mais importância do que se se tratasse da chegada de um cargueiro.
  Vários grupos são compostos de número limitado de membros e se designam por um título especial e característico; assim, um se intitula A Fraternidade, outro Amor e Caridade, etc. Acrescentemos que esses títulos não são para eles insígnias banais, mas divisas que se esforçam por justificar.
  O grupo Amor e Caridade, por exemplo, tem por objetivo especial a caridade material, sem prejuízo das instruções dos Espíritos, que, de certo modo, constituem a parte acessória. Sua organização é muito simples e dá excelentes resultados. Um dos membros tem o título de esmoler, nome que corresponde perfeitamente à função de distribuir socorros a domicílio, e muitas vezes os Espíritos indicaram nomes e endereços de pessoas necessitadas. O nome esmoler voltou, assim, à sua significação primitiva, da qual se havia singularmente desviado.
  Esse grupo possui um médium tiptólogo excepcional, e julgamo-nos no dever de fazê-lo objeto de um artigo especial.
  Queremos apenas consignar aqui os ótimos elementos que nos permitem bons augúrios do Espiritismo nesse país, onde há pouco tempo ele lançou raízes, o que não quer dizer que certos grupos não tenham tido, ali como alhures, perplexidades e enganos inevitáveis quando se trata do estabelecimento de uma ideia nova. É impossível que no começo de uma doutrina, sobretudo tão importante quanto o Espiritismo, todos os que se declaram seus partidários lhe compreendam o alcance, a seriedade e as consequências. Há, pois, que esperar desvios da rota em pessoas que só lhe veem a superfície, ambições pessoais, aqueles para quem é antes um meio que uma convicção do coração, sem falar das pessoas que afivelam todas as máscaras para se insinuarem, visando servir os interesses dos adversários, porque, assim como o hábito não faz o monge, o nome de espírita não faz o verdadeiro espírita. Mais cedo ou mais tarde, esses espíritas frustrados, cujo orgulho permaneceu vivo, causam nos grupos atritos penosos e suscitam entraves, dos quais sempre se triunfa com perseverança e firmeza. São provações para a fé dos espíritas sinceros.
  A homogeneidade, a comunhão dos pensamentos e dos sentimentos são, para os grupos espíritas, como para quaisquer outras reuniões, a condição sine qua non de estabilidade e de vitalidade. É para tal objetivo que devem tender todos os esforços, e compreende-se que é tanto mais fácil atingi-lo quanto menos numerosas as reuniões. Nas grandes reuniões é quase impossível evitar a ingerência dos elementos heterogêneos que mais cedo ou mais tarde aí semeiam a cizânia; nas pequenas reuniões, onde todos se conhecem e se apreciam, se está como em família, o recolhimento é maior e a intrusão dos mal-intencionados mais difícil. A diversidade de elementos de que se compõem as grandes reuniões as torna, por isso mesmo, mais vulneráveis à ação surda dos adversários.
  Melhor será, numa cidade, haver cem grupos de dez a vinte adeptos, dos quais nenhum pretende a supremacia sobre os outros, do que uma sociedade única, que reúna todos. Esse fracionamento em nada prejudicará a unidade dos princípios, levando-se em consideração que a bandeira é única e todos marcham para um mesmo objetivo. Isto parece ter sido perfeitamente compreendido por nossos irmãos de Anvers e de Bruxelas.
  Em resumo, nossa viagem à Bélgica foi fértil em ensinamentos no interesse do Espiritismo, pelos documentos que recolhemos, e que oportunamente serão postos em proveito de todos.
  Não esqueçamos uma das mais honrosas menções ao grupo espírita de Douai, que visitamos de passagem, e um particular testemunho de gratidão pelo acolhimento que ali nos dispensaram. É um grupo familiar, onde a Doutrina Espírita evangélica é praticada em toda a sua pureza. Ali reinam a mais perfeita harmonia, a benevolência recíproca, a caridade em pensamento, palavras e ações; ali se respira uma atmosfera de fraternidade patriarcal, isenta de eflúvios daninhos, onde os bons Espíritos devem comprazer-se tanto quanto os homens. Também as comunicações ali ressentem a influência do meio simpático. Ele deve à sua homogeneidade e aos escrupulosos cuidados nas admissões, o fato de jamais haver sido perturbado por dissensões e dificuldades que outros tiveram que sofrer. É que todos os que dele fazem parte são espíritas de coração e nenhum procura fazer prevalecer sua personalidade. Os médiuns aí são relativamente muito numerosos; todos se consideram simples instrumentos da Providência; não têm orgulho nem pretensões pessoais e se submetem humildemente e sem se sentirem magoados, ao julgamento das comunicações que recebem, prontos a destruí-las se forem consideradas más.
  Um encantador poema foi recebido em nossa intenção, após a nossa partida. Agradecemos ao Espírito que o ditou e ao seu intérprete. Conservamo-lo como preciosa lembrança, mas são desses documentos que não podemos publicar, e que só aceitamos a título de encorajamento.
  Temos a satisfação de dizer que esse grupo não é o único nessas condições favoráveis e de ter podido constatar que as reuniões realmente sérias onde cada um procura melhorar-se, de onde a curiosidade foi banida, as únicas que merecem a qualificação de espíritas, multiplicam-se diariamente. Elas oferecem, em escala menor, uma pálida imagem do que poderá ser a Sociedade quando o Espiritismo, bem compreendido e universalizado, formar a base das relações mútuas. Então os homens nada mais terão a temer uns dos outros. A caridade fará entre eles reinar a paz e a justiça. Tal será o resultado da transformação que se opera e cujos efeitos a geração futura começará a sentir.