(SOCIEDADE ESPÍRITA DE PARIS - MÉDIUM: SR. A. DIDIER)
I
A pintura é mais uma arte que tem por objetivo retraçar as cenas terrestres mais belas e mais elevadas e por vezes simplesmente imitar a Natureza pela magia da verdade. É uma arte que, por assim dizer, não tem limites, sobretudo em vossa época. A arte, em vossos dias, não deve ser apenas a personalidade. Ela deve ser, se assim me posso exprimir, a compreensão de tudo o que foi na história, e as exigências da cor local, longe de entravar a personalidade e a originalidade do artista, ampliam-lhe as vistas, formam e depuram o gosto e o fazem criar obras interessantes para a arte e para os que nela querem ver uma civilização caída e ideias esquecidas.
A chamada pintura histórica de vossas escolas não está em correspondência com as exigências do século. Ouso dizer que há mais futuro para um artista em suas pesquisas individuais sobre a arte e sobre a história do que nessa via onde dizem que comecei a pôr o pé.
Só uma coisa poderá salvar a arte de vossa época. É um novo impulso e uma nova escola que, aliando os dois princípios que dizem tão contrários ─ o realismo e o idealismo ─ leve os moços a compreender que se os mestres assim são chamados, é porque viviam com a Natureza, e sua imaginação poderosa inventava onde era preciso inventar, mas obedecia onde era necessário obedecer.
Para muitas pessoas desconhecedoras da ciência da arte, muitas vezes as disposições substituem o saber e a observação. Assim, em vossa época veem-se por todos os lados homens de uma imaginação muito interessante, é certo, mesmo artistas, mas não pintores. Estes não serão contados na história senão como desenhistas muito engenhosos. A rapidez no trabalho, a pronta realização do pensamento adquirem-se pouco a pouco pelo estudo e pela prática e, conquanto se possua essa imensa faculdade de pintar depressa, é necessário lutar ainda, lutar sempre. Em vosso século materialista, a arte, não o digo sob todos os pontos, felizmente materializa-se ao lado dos esforços realmente surpreendentes dos homens célebres da pintura moderna. Por que essa tendência? É o que indicarei na próxima comunicação.
II
Como disse em minha última comunicação, para bem compreender a pintura seria necessário ir, sucessivamente, da prática à ideia e da ideia à prática.
Quase toda a minha vida se passou em Roma. Quando eu contemplava as obras dos mestres, esforçava-me por captar em meu espírito a ligação íntima, as relações e a harmonia do mais elevado idealismo e do mais real realismo. Raramente vi uma obra-prima que não reunisse esses dois grandes princípios. Nelas eu via o ideal e o sentimento da expressão, ao lado de uma verdade tão brutal que eu dizia para mim mesmo: é bem a obra do espírito humano; é bem a obra pensada e depois realizada; lá estão alma e corpo: é a vida inteirinha. Via que os mestres moles nas ideias e na compreensão o eram em suas formas, em suas cores, em seus efeitos. A expressão de suas cabeças era incerta e a de seus movimentos, banal e sem grandeza. É necessária uma longa iniciação em a Natureza para bem compreender os seus segredos, os seus caprichos e sua sublimidade. Não é pintor que quer. Além do trabalho de observação, que é imenso, é preciso lutar no cérebro e na prática contínua da arte. Em um momento dado, é necessário trazer para a obra que se quer produzir, os instintos e os sentimentos das coisas adquiridas e das coisas pensadas, numa palavra, sempre esses dois grandes princípios: corpo e alma.
NICOLAS POUSSIN